Esse é um relato de felicidade, da constatação de muita felicidade. Escritos do autor em 1º pessoa.
Eu não tinha certeza se queria mesmo fazer isso, na verdade, estava com pouca disposição para deixar minha casa e minhas diversões mais simples e mais prazerosas, que no sábado, em geral, se resumem a sentir a sensação de limpeza de uma cerâmica branca e brilhando. Para além das prisões triviais havia a prisão de uma incerteza médica e a maior delas, a prisão do medo. Medo de que? De ter que encarar todo aquele caminho e não saber qual seria a sensação do final.
No quebrar das decisões e nos empurrões que levei dos amigos, os mais interessados nesse processo, resolvi ir e fazer todo o itinerário que eles desenharam. Para não deixar de ser eu, só fui ao domingo, seria de manhã e antes dos afazeres que justificaram a viagem. Enfim, tudo planejado e pé na estrada, o coração se abriu como os umbrais de cada pequena cidade que passava, aqui e acolá escutando as histórias dos fiéis escudeiros.
A placa verde anunciou a chegada. O cheiro de capital banhada pelo mar ressurgiu e imediatamente os olhos se prontificaram a acompanhar a passagem do carro que se movia quase que no automático. Em análise prosopopeia pode-se dizer que o carro também mirava os olhos em cada cena e talvez por isso tenha dirigido lentamente aquela travessia. O parque surgia colossal em meio a cidade e fazia lembrar de cenas, acontecimentos engraçados e mesmo momentos de angústia.
O caminho das avenidas foi saindo no automático, esquerda, direita, sinais, faixas de pedestres e enfim a mureta de mármore que apontava o residencial. O amigo que sentava no banco de passageiro liberou a entrada e o carro foi lentamente ao estacionamento. Até o momento nada parecia anormal, desci e peguei uma pequena bolsa para que lá em cima pudesse tomar banho e descansar um pouco.
Na entrada sr. Antônio incrédulo me olha e na brincadeira de sempre diz:
- Veio para ficar?
- Ainda não, talvez um dia.- respondi.
Subimos e depois do banho os amigos se colocaram a traçar a narrativa. As histórias que você contou em segredo a eles, as fotos que não sabia da existência, as lembranças que tinham ficado do 14 de novembro, tudo estava lá guardado. Junto dessas lembranças, algumas cartas que você escreveu, entregou a Lua e que eu sequer lembrava que me recusei a receber. Eu olhei atentamente cada coisa, cada detalhe e junto de qualquer movimento que eu fazia com as mãos ou com os olhos, estava a voz de um dos meninos esclarecendo as circunstâncias daquele dia. Tudo estava fotografado na memória.
Enfim, a última das lembranças, era uma carta, datada de 14 de junho. Essa eu não conhecia o teor físico, mas, conhecia o que nela estava escrito e não tive dúvidas de que não erramos um só momento. Nessa hora me veio um sentimento de felicidade imenso, mas, para além da felicidade, me dominou um sentimento de gratidão, uma gratidão profunda por tudo que fomos e passamos e por tudo que sou hoje e que você se transformou.
Em meio ao meu silêncio surgiu a fala resumo daquele contexto:
- Black, precisamos transformar isso em livro. Você já pensou em quantas pessoas vão se identificar, ou quantas pessoas vão refletir sobre o amor, as relações? Você sempre quis escrever e eu também, temos o material e já adiantei as conversas com a editora, vamos em frente!
Era Bruno e seus projetos de escritor mal sucedido que vira professor de literatura e que encontrando um escritor mal sucedido que virou professor de geografia, nutriu finalmente o sonho de escrever um romance.
Eu não disse nada, pedi as recordações mas, eles não me deram. Levantei, fui na janela e quando voltei escutei a última frase:
- Black, momentos eternos, merecem ser eternizados, pense nisso.
Eu fui dá aquela volta na cidade, almocei e o dia seguiu. Ainda não decidi se irei escrever, mas, me tomou de felicidade a ideia de saber que alguém teve preocupação e carinho com a nossa história. Me tomou de felicidade também o fato de que naquele domingo 27 eu senti de vez que a página em branco abriu na nossa vida. Talvez algum dia as pessoas possam conhecer toda a história de um pagodeiro que o maior sonho é ser pai e uma pagodeira que o maior sonho é salvar e cuidar de cachorros abandonados.
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