domingo, 13 de novembro de 2022

Entre a água e o ar

        Duas coisas me chamam atenção, olhos e sorriso. Por ter esse encantamento, desenvolvi uma mania quase desagradável de encarar as pessoas e isso já me causou, inclusive, alguns problemas. Mas, confesso que naquele dia eu não consegui encontrar aqueles olhos e aquele sorriso.
        Era o primeiro dia e a euforia ainda tomava conta. O lugar estava cheio e meu ouvido de um quase músico se dividia entre escutar a banda que tocava e os diversos sotaques das pessoas que cercavam a mesa em que eu estava.
        A primeira vez que eu vi aqueles olhos e aquele sorriso foi no aplicativo de rede social, mas, também não prestei muita atenção, afinal, o meu amigo tinha reparado na dona deles e talvez algo pudesse acontecer.
        No segundo dia, eu estava na praia, depois de um bom mergulho eu resolvi subir em uma rocha para visualizar a paisagem. Não sabia que aquele era um dos lugares turísticos e quando cheguei lá, vi uma fila de pessoas, na qual, esperava, de forma paciente, a dona dos olhos e do sorriso. 
        Confesso que não vi nada demais no lugar das fotos, mas, prestei muita atenção nas vezes que os olhos miraram a paisagem e o sorriso se abria. Certa hora, ela me viu, acenou com a mão e mais um vez abriu um sorriso, fechando lentamente os olhos. Eu já tinha me encantado pela beleza.
        A noite, os olhos e o sorriso não estavam na sintonia da manhã. A razão dada era o cansaço e talvez eu tenha freado o encantamento. O ar sempre sopra, embora em menor velocidade, mas, as águas, por vezes, encontraram a calmaria que o ar tenta constantemente destruir.
         Só no terceiro dia aqueles olhos e aquele sorriso me cativaram. Eu estava profundamente envolvido pela música e pelo ambiente quando de forma descuidada pisei na patinha de um cachorro que, por incrível que pareça, deitava tranquilamente no chão do ambiente enquanto centenas de pessoas cantavam e dançavam. 
        Depois que o cachorrinho me avisou, com pequenas mordidas, que eu estava pisando nele, sai caminhando e rindo como um bobo, encontrando de forma descuidada aqueles olhos e aquele sorriso. Sem entender, a dona deles perguntou do que eu ria. Expliquei e fiquei por ali cantando, como um louco, os pagodes que a banda executava.
        Foi nessa hora que reparei profundamente os olhos e sorriso que se mexiam em cada música. Ela é pagodeira, embora achasse que a música de Dilsinho era de Sorriso, erro que eu só perdoei depois que ela abriu mais uma vez um sorriso e fechou os olhos lentamente, como lá na praia. Os olhos dela lembram o mar, lembram os sonhos que os navegantes tinham de descobrir o novo mundo, com uma imaginação fértil de que além do horizonte a terra será exuberante. Depois de alguns momentos, os olhos se despediram com um novo sorriso e dessa vez os meus olhos miraram sua saída. 
        Ficou a curiosidade e eu tentei conhecer a profundidade daquele olhar. Tive, finalmente, a certeza de que ele pertence ao mar e, não fosse a distância entre o ar e água, estaria imerso na profundidade que ele contém. 

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