Hoje
fazia, alegremente, as correções solicitadas pela banca examinadora em meu
trabalho monográfico do curso de Geografia quando me fez refletir uma das
principais solicitações de correção: “trocar a 1ª pessoa do plural pelo
infinitivo impessoal”.
Confesso que só me ative de quão
esquisito é esse pedido no contexto acadêmico, em casa quando fazia as
correções. Acredito que isso se deu em virtude da euforia que me tomava no
instante, afinal qual ser humano não se torna menos crítico em um momento de
pressão?
O fato é que sempre achei falsa
modesta o emprego da primeira pessoal do plural nos trabalhos acadêmicos,
afinal quem pensa sou EU e EU, na boa gramática, corresponde a primeira pessoa
do singular, coisa que aprendi desde meus primeiros estudos com Tia Fátima,
grande educadora, que acredito, não ter me ensinado de forma equivocada.
Se essa relação de contexto já não
me deixava confortável, imagine os senhores o quanto foi ruidoso para mim ter
que entregar horas de reflexão a um sujeito que nem eu mesmo, autor do texto,
consigo definir como sujeito pensante da dissertação! Senti-me inútil frente a
um trabalho que eu produzi e foi inevitável a lembrança da Idade Média, período
em que os escritores não assinavam suas obras em virtude da ideia que teriam
sido iluminados por Deus e, portanto, esse seria o verdadeiro autor da peça.
A pior parte foi refletir que os escritores
medievais pelo menos tinham a fé como elemento confortativo para sua
impessoalidade e de uma maneira qualquer mantinham seu contato com o verdadeiro
autor do pensamento, enquanto minha pessoa jamais será capaz de definir qual o
verdadeiro autor do pensamento que eu coloquei sobre as folhas de papel. Tentei
encontrar reposta a essa inquietação nas páginas denominadas referências
bibliográficas, mas isso antes de me ajudar fez surgir um sentimento mais
odioso por essa prática, visto que só constavam ali, por regra da ABNT, bíblia
sagrada dos acadêmicos, as obras que tinham sido citadas no trabalho o que
exclui grande parte da minha leitura e mesmo de minha convivência social, parte
fundamental de meu pensamento.
Com base nisso pergunto aos
senhores, seria de bom grado dá os louros do pensamento a um punhado de
senhores citados no final da página e excluir dessa conquista, todas as demais
leituras, conversas e reflexões que tive durante minha vida? Seria correto me
negar como sujeito ativo de pensamento e, portanto, construtor de um pensamento
social próprio? Acredito que não e nisso encontro as “esquisitices” acadêmicas.
Lembro-me perfeitamente do segundo
período de meu curso, na disciplina de Fundamentos da Educação, onde fui
apresentado a um senhor aparentemente boa praça, chamado Paulo Freire e sua
respeitada pedagogia da autonomia. Confesso que não tive bom olhar daquele
método e talvez até hoje não o tenha como correto, no entanto, dali em diante a
postura de aluno como sujeito do aprendizado e produtor de conhecimento foi
martelada em minha cabeça nas diversas disciplinas pedagógicas de meu curso,
como verdade absoluta e caminho perfeito de uma educação libertadora.
Senti-me por vezes retrógrado nos
debates em sala de aula quando Paulo Freire e seu método eram exaltados e eu
cavaleiro solitário combatia aquele exército de defensores, ditos de postura progressista e adeptos desse posicionamento. Até que com surpresa o dia de hoje
chega a minha vida e vejo os princípios da pedagogia da autonomia serem
esfacelados em minha frente e eu como aluno ser subjugado a mero objeto de
produção. Tenho a impressão que sou uma caneta governada por um braço o qual
não posso ver o rosto e como em um pesadelo vejo a negação de meu ser
intelectual, minha transformação em monge copista da Idade Média.
Fico pensado o que os Renascentistas
pesariam se nos dias atuais terminassem um trabalho monográfico e sua banca
examinado pedisse que tornasse seu texto impessoal, negasse a produção
humanística e qualificasse uma criatura indeterminada como sujeito do
pensamento. De certo teríamos um número pequeno de graduados entre aqueles
famosos homens de ciência. No entanto, seria anacronismo meu querer transcender
um renascentista a meu tempo, visto que ao século XVI nenhum homem de ciência
precisava de um diploma de graduação para lecionar em uma escola secundária,
tinham-se professores pelo conhecimento e eloquência e não por papéis impressos
pelo MEC.
Não acredito que meu professor seja
culpado por essa prática e percebi que ele é mais um produto dessa fase
mesquinha da universidade onde pessoas com títulos acadêmicos podem tudo e
alunos esforçados têm de se contentar em pensar e não declararem que pensam.
Com base nisso, penso em qualificar
a Universidade como antro de hipocrisia, mas lembro-me que estaria ofendendo
uma construção social liberal burguesa que a princípio tinha a mesma postura
que tenho nesse momento o que nos coloca no patamar de igualdade nessa luta
contra a aristocracia acadêmica. Penso também que posso trazer Paulo Freire a
nossa infantaria e apresentar as autoridades acadêmicas a verdadeira pedagogia da
autonomia e a liberdade de pensar e apresentar a ideias sem distinção de título
acadêmico e posição literária. Acima de tudo penso ser importante a luta e
adesão das centenas de milhares de pessoas que assim como eu se sentem
amordaçadas por uma cultura acadêmica hipócrita e feudal. A todos esses
soldados o grito de guerra:
Não vós calais!
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