sexta-feira, 6 de março de 2020

Uma história que não tem amor

   Lembro bem o dia em que tudo começou! Nós estávamos na sala, fazendo uma daquelas apostas infantis que sempre fazíamos nos domingos. Sua mãe chegou dizendo que ele tinha sido internado e que a situação era grave. Você baixou a cabeça e voltou a nossa brincadeira. Eu, sem que você percebesse, olhei sua mãe que apenas balançou a cabeça.
   Eu já o conhecia, mas, naquele dia, me bateu uma inexplicável vontade de saber mais sobre ele, de conhecê-lo de verdade. Na quinta feira eu fui ao hospital, mas, ele não quis me receber. Na sexta eu voltei, e enfim ele me recebeu.
   Tudo que você falava sobre ele era verdade, ele era um homem grosso no trato e a primeira pergunta que me fez foi:
- O que você quer aqui?
   Eu comecei a me aproximar dele, mas, evitando ao máximo intimidá-lo, eu sabia que poderia perder a aproximação com uma única palavra. Ao final dessa primeira conversa eu perguntei se poderia voltar e ele disse:
- Você que sabe.
   Na outra semana eu voltei. O diálogo já foi mais aberto e ele me confessou que achara agradável a minha conversa e pela primeira vez perguntou por você. Eu te cobri de elogios e apontei alguns defeitos é claro, ele sorriu de todos eles e eu comecei a ver nele alguém diferente do que eu projetava. No final do dia ele me perguntou se eu poderia voltar
- Claro que sim!
- Quando vier traga um barbeador, mulher não sabe fazer barba!
   Eu fiz vista grossa para a fala machista e voltei uma semana depois. Ele havia piorado bastante, entre as idas e vindas para o CTI, aquele homem forte, alto e bonito, já parecia alguém que sofrera por anos. Depois de fazer sua barba e de mostrar o espelho a ele, um pedido meio envergonhado saiu:
- Você traz ela aqui?
- Eu posso convidá-la, mas, é apenas um convite.
- Eu já estaria feliz, disse ele segurando meu ombro.
   Naquele dia eu cheguei na sua casa e meio sem jeito por ter te omitido isso eu falei sobre a doença e o estágio, você ficou super chateada, mas, ao final me abraçou e do seu jeito meio seco, me disse um quase sim.
   Alguns dias depois, você enfim me pediu para ir lá com você. Meu coração ficou em festa, eu já não nutria por ele aquele antigo sentimento e fazer vocês se encontrarem seria a maior realização da minha vida.
   Nada saiu como o planejado, entre choros e acusações aquele encontrou em nada lembrou as fantasias que eu fiz daquele dia. Você saiu do quarto chorando, sua mãe te acompanhou e eu, meio sem reação, segurei a mão dele, que pela primeira vez demonstrou fraqueza.
   Entre aqueles dias e o dia da partida eu o visitei poucas vezes. Ele já não conversava e pouco entendia o que a gente dizia. Na última vez eu apertei a sua mão e ele fez pouca força, naquele dia, eu chorei.
   Você nunca falou sobre isso comigo, eu também nunca forcei. Talvez eu respeitasse a sua dor e você soubesse disso.
   Nunca existiu amor ali, essa era a frase que você sempre dizia. Hoje, eu não te contesto! Talvez ele não conheceu o amor, talvez tivesse medo de vivê-lo., talvez não deu tempo aprender sobre o amor. Apesar de não apresentar o amor, ele soube muito bem nos apresentar a dor de amar.

Um comentário:

  1. Que pena que para quem direciona esse texto não da a mínima para você!

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