Era sábado, véspera de eleição.
Um homem alto de olhar compenetrado e pensamento distante analisava alguns
“santinhos”, daqueles que os cabos eleitorais entregam desesperado, na maioria
das vezes jogando de bolos no muro de nossas casas, na véspera da eleição, para
arregimentar os eleitores indecisos.
Esses
“santinhos” servem de fato para ganhar aqueles eleitores perdidos. Aquele tipo
de gente que encara a política como um páreo de cavalos onde se escolhe o
animal para apostar pelo seu porte físico e disposição para vencer. Apesar de nosso homem não ser esse tipo de
gente, sentia-se perdido como um deles.
Desde
a juventude gostava muito de política. Assistia toda a propaganda eleitoral e
não perdia um debate na TV. Gostava de ouvir as discussões nas praças e no
trabalho e apesar de encabulado arriscava-se em alguns comentários. No entanto,
nos últimos anos não encontrava mais motivação para defesa de candidatos.
Assistia com desgosto o noticiário que mostrava os representantes do povo viverem
confortavelmente à custa dos homens simples e ainda por cima cometerem abusos e
desrespeito com essa gente toda.
Não
entedia como um cara que ele elegera para defender a classe trabalhadora votava
em um projeto de lei para prejudicá-la apenas por pressão da base aliada. Não
entendia porque nos assuntos mais importante da nação o povo não era consultado
e alguns poucos homens, metidos em um jogo sujo de interesses, decidiam a vida
da nação ao bel-prazer.
Pensou
algumas vezes em se candidatar, mas, era tímido demais para toda aquela cena da
época das eleições, preferia conversar com os amigos a debater em um
parlamento, achava mesmo que a coisa toda poderia ser diferente, no entanto,
não sabia ao certo como poderia ser.
Depois
de analisar por algum tempo os rostos e os projetos que estavam grafados
naqueles papéis resolveu ir dormir. Gostava de levantar cedo para votar e
passar o domingo esperando o resultado das eleições. Ficava mesmo ansioso para
que às 17 horas as urnas fossem abertas e os votos contados.
No
meio da noite o homem teve um sonho esquisito. Jerônimo, seu professor de
história do ensino médio, o chamava para um passeio em um lugar indeterminado o
qual era necessário uma máquina estranha para o translado.
O
homem entrou na máquina e ao longo do percurso Jerônimo explicava que mostraria
a ele uma antiga forma de encarar o mundo e o modo de convivência em sociedade.
Pedia desculpas por não ter feito aquela e todas as turmas que passaram por
suas mãos entenderem o quanto era simples viver e fazer política.
O
homem não entendia nada, do que o professor estava falando? Qual o motivo para
o convite? E aquela máquina estranha para onde iria? Pensando nessas coisas a
viagem inteira o homem ficava cada vez mais angustiado e curioso.
Após alguns minutos
a máquina começa a diminuir a velocidade e para em uma montanha alta onde uma
porção de homens esquisitos debate algo, sentados em pedras ao redor de um
prédio antigo sustentado por colunas.
Eles descem da máquina e ficam observando a
cena. Jerônimo olha para o seu antigo aluno. Ver a surpresa dele e sorri
discretamente. Parece ter grande certeza de que aquilo aconteceria e volta a
prestar atenção na cena.
Os
homens discutem sobre o aumento do valor do trigo. Alguns deles parecem ser os
nomeados para defender as duas partes. O restante escuta atentamente os
pronunciamentos e discutem entre si. Existem dois gravetos de árvores na frente
de cada homem, um com folhas e outro sem folhas, o homem deduz que aquilo é uma
votação e que os galhos serão utilizados para a escolha da proposta.
Pela
primeira vez nosso personagem sorri. Estava lembrando, aquilo era a Grécia antiga.
Nunca foi um bom aluno, mas as roupas, o prédio, os homens debatendo, lembrava
bem das figuras nos livros, era a Grécia.
Perguntou
ao professor e para sua alegria a resposta foi afirmativa. Mas, por que motivo
Jerônimo o trouxe ali? Quis perguntar, mas, teve vergonha no momento, achou
melhor ver como terminaria aquela cena. Muito atento viu que depois dos
pronunciamentos os homens foram chamados a decidir. Quem era a favor da
proposta levantaria o galho com folhas, quem era contra o galho sem folhas. Por
contraste visual a proposta foi rejeitada e os homens saem felizes para suas
casas.
Nesse
momento o homem percebeu tudo, lembrou que domingo seria dia de eleição e que
ele votaria em alguém, mas na verdade não decidiria nada, isso fez com que o
contentamento de seu rosto acabasse. Jerônimo olhava para ele e não entendia,
trouxera seu aluno ali para que ele pudesse ver que havia uma saída para a
apatia política de seu tempo e que ele também poderia decidir as coisas de sua
cidade, seu estado e sua nação.
Contudo,
o homem não se conformava, sentou na máquina e pediu para voltar para seu
tempo, queria dormir e esquecer que conhecera uma forma tão maravilhosa de vida
em sociedade, onde os homens pudessem decidir sem intermediários o que seria
melhor para eles. Jerônimo sentou-se ao seu lado e começou a dizer que ele
podia.
O
homem levantou a cabeça e respondou quase sem fala:
- Como professor? Se eu vou
escolher alguém que se perderá nas entranhas do governismo partidário e pouco
vai ligar para o que eu penso!
Jerônimo
ficou irritado e começou a balançar o homem a fim de tirá-lo daquela apatia,
mas seu olhar sequer saia do canto. Balançou tão forte que fez a máquina
decolar e retornar a origem do percurso. O professor sumirá e o homem
continuava sentindo alguém balançando seu braço.
Abriu
os olhos e viu sua mulher. Ela dizia admirada que o relógio já contava 9 horas
e perguntava se ele estava doente já que sempre acordava cedo para votar. O
homem lembrou de todo o sonho e ficou triste. Pensou como seria bom se estive
levantando para decidir verdadeiramente algo. Sentiu-se triste também por
Jerônimo, que como no tempo da escola não conseguiu no momento o fazer enxergar
a realidade. Agora sabia que seu professor poderia ter razão, no entanto, mais
uma vez sentia-se preso àquele sistema.
Tomou
banho e foi votar. Pela primeira vez em sua vida votou nulo, nada ali tinha
sentido para ele. Retornou a sua casa e pensou o dia inteiro no sonho. Às 17
horas sua esposa o chamava para assistir a apuração dos votos. Levantou e
disse:
- Não adianta amor, sempre será a
mesma coisa, a gente não decidiu nada.
A
mulher perguntou o perguntou por quê? E ele resolveu contar o sonho. Ela achou
tudo aquilo muito fantástico, mas maravilhoso e passou a acreditar que aquela
sim era a forma correta de fazer política.
Jerônimo
percebeu de longe que tinha feito a coisa certa. Não foi convincente no
momento, mas provocou reflexão. Aquela história espalhou-se por muitos anos e
chegou até hoje. E diversos homens passaram a acreditar que um dia poderão
verdadeiramente fazer política.
Estou adorando suas cronicas, apesar de não gostar de política como você bem sabe. rsrs
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