domingo, 27 de maio de 2012

Eu queria decidi


                 Era sábado, véspera de eleição. Um homem alto de olhar compenetrado e pensamento distante analisava alguns “santinhos”, daqueles que os cabos eleitorais entregam desesperado, na maioria das vezes jogando de bolos no muro de nossas casas, na véspera da eleição, para arregimentar os eleitores indecisos.
                Esses “santinhos” servem de fato para ganhar aqueles eleitores perdidos. Aquele tipo de gente que encara a política como um páreo de cavalos onde se escolhe o animal para apostar pelo seu porte físico e disposição para vencer.  Apesar de nosso homem não ser esse tipo de gente, sentia-se perdido como um deles.
                Desde a juventude gostava muito de política. Assistia toda a propaganda eleitoral e não perdia um debate na TV. Gostava de ouvir as discussões nas praças e no trabalho e apesar de encabulado arriscava-se em alguns comentários. No entanto, nos últimos anos não encontrava mais motivação para defesa de candidatos. Assistia com desgosto o noticiário que mostrava os representantes do povo viverem confortavelmente à custa dos homens simples e ainda por cima cometerem abusos e desrespeito com essa gente toda.
                Não entedia como um cara que ele elegera para defender a classe trabalhadora votava em um projeto de lei para prejudicá-la apenas por pressão da base aliada. Não entendia porque nos assuntos mais importante da nação o povo não era consultado e alguns poucos homens, metidos em um jogo sujo de interesses, decidiam a vida da nação ao bel-prazer.
                Pensou algumas vezes em se candidatar, mas, era tímido demais para toda aquela cena da época das eleições, preferia conversar com os amigos a debater em um parlamento, achava mesmo que a coisa toda poderia ser diferente, no entanto, não sabia ao certo como poderia ser.
                Depois de analisar por algum tempo os rostos e os projetos que estavam grafados naqueles papéis resolveu ir dormir. Gostava de levantar cedo para votar e passar o domingo esperando o resultado das eleições. Ficava mesmo ansioso para que às 17 horas as urnas fossem abertas e os votos contados.
                No meio da noite o homem teve um sonho esquisito. Jerônimo, seu professor de história do ensino médio, o chamava para um passeio em um lugar indeterminado o qual era necessário uma máquina estranha para o translado.
                O homem entrou na máquina e ao longo do percurso Jerônimo explicava que mostraria a ele uma antiga forma de encarar o mundo e o modo de convivência em sociedade. Pedia desculpas por não ter feito aquela e todas as turmas que passaram por suas mãos entenderem o quanto era simples viver e fazer política.
                O homem não entendia nada, do que o professor estava falando? Qual o motivo para o convite? E aquela máquina estranha para onde iria? Pensando nessas coisas a viagem inteira o homem ficava cada vez mais angustiado e curioso.
Após alguns minutos a máquina começa a diminuir a velocidade e para em uma montanha alta onde uma porção de homens esquisitos debate algo, sentados em pedras ao redor de um prédio antigo sustentado por colunas.
                 Eles descem da máquina e ficam observando a cena. Jerônimo olha para o seu antigo aluno. Ver a surpresa dele e sorri discretamente. Parece ter grande certeza de que aquilo aconteceria e volta a prestar atenção na cena.
                Os homens discutem sobre o aumento do valor do trigo. Alguns deles parecem ser os nomeados para defender as duas partes. O restante escuta atentamente os pronunciamentos e discutem entre si. Existem dois gravetos de árvores na frente de cada homem, um com folhas e outro sem folhas, o homem deduz que aquilo é uma votação e que os galhos serão utilizados para a escolha da proposta.
                Pela primeira vez nosso personagem sorri. Estava lembrando, aquilo era a Grécia antiga. Nunca foi um bom aluno, mas as roupas, o prédio, os homens debatendo, lembrava bem das figuras nos livros, era a Grécia.
                Perguntou ao professor e para sua alegria a resposta foi afirmativa. Mas, por que motivo Jerônimo o trouxe ali? Quis perguntar, mas, teve vergonha no momento, achou melhor ver como terminaria aquela cena. Muito atento viu que depois dos pronunciamentos os homens foram chamados a decidir. Quem era a favor da proposta levantaria o galho com folhas, quem era contra o galho sem folhas. Por contraste visual a proposta foi rejeitada e os homens saem felizes para suas casas.
                Nesse momento o homem percebeu tudo, lembrou que domingo seria dia de eleição e que ele votaria em alguém, mas na verdade não decidiria nada, isso fez com que o contentamento de seu rosto acabasse. Jerônimo olhava para ele e não entendia, trouxera seu aluno ali para que ele pudesse ver que havia uma saída para a apatia política de seu tempo e que ele também poderia decidir as coisas de sua cidade, seu estado e sua nação.
                Contudo, o homem não se conformava, sentou na máquina e pediu para voltar para seu tempo, queria dormir e esquecer que conhecera uma forma tão maravilhosa de vida em sociedade, onde os homens pudessem decidir sem intermediários o que seria melhor para eles. Jerônimo sentou-se ao seu lado e começou a dizer que ele podia.
                O homem levantou a cabeça e respondou quase sem fala:
- Como professor? Se eu vou escolher alguém que se perderá nas entranhas do governismo partidário e pouco vai ligar para o que eu penso!
                Jerônimo ficou irritado e começou a balançar o homem a fim de tirá-lo daquela apatia, mas seu olhar sequer saia do canto. Balançou tão forte que fez a máquina decolar e retornar a origem do percurso. O professor sumirá e o homem continuava sentindo alguém balançando seu braço.
                Abriu os olhos e viu sua mulher. Ela dizia admirada que o relógio já contava 9 horas e perguntava se ele estava doente já que sempre acordava cedo para votar. O homem lembrou de todo o sonho e ficou triste. Pensou como seria bom se estive levantando para decidir verdadeiramente algo. Sentiu-se triste também por Jerônimo, que como no tempo da escola não conseguiu no momento o fazer enxergar a realidade. Agora sabia que seu professor poderia ter razão, no entanto, mais uma vez sentia-se preso àquele sistema.
                Tomou banho e foi votar. Pela primeira vez em sua vida votou nulo, nada ali tinha sentido para ele. Retornou a sua casa e pensou o dia inteiro no sonho. Às 17 horas sua esposa o chamava para assistir a apuração dos votos. Levantou e disse:
- Não adianta amor, sempre será a mesma coisa, a gente não decidiu nada.
                A mulher perguntou o perguntou por quê? E ele resolveu contar o sonho. Ela achou tudo aquilo muito fantástico, mas maravilhoso e passou a acreditar que aquela sim era a forma correta de fazer política.
                Jerônimo percebeu de longe que tinha feito a coisa certa. Não foi convincente no momento, mas provocou reflexão. Aquela história espalhou-se por muitos anos e chegou até hoje. E diversos homens passaram a acreditar que um dia poderão verdadeiramente fazer política. 

Um comentário:

  1. Estou adorando suas cronicas, apesar de não gostar de política como você bem sabe. rsrs

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